O superior-geral, Ir. Ernesto Sánchez

A 18 de abril passado, dia em que comemoramos o 19º aniversário da canonização de São Marcelino, me encontrava por coincidência em N.D. de L’Hermitage.  O Ir. Luis Carlos e eu quisemos fazer juntos esta primeira visita, desde nossa eleição para o serviço de Vigário e Superior gerais.  Foi uma alegria para nós passar ali uns dias, encontrar-nos com a comunidade, conviver com alguns grupos e, particularmente, ter a ocasião de aproximar-nos de novo do coração de Champagnat.

Passei um tempo no quarto de Marcelino e, ao murmúrio do Gier que eu percebia agradavelmente através da janela entreaberta, pude escutar e meditar.  Imaginei as horas que Marcelino dedicou ao silêncio e à oração nesse lugar, além de tomar seu descanso cada noite. Contemplei em um lado a sua mesa de trabalho, no qual passou tantas horas lendo, escrevendo reflexões ou redigindo cartas aos Irmãos e às autoridades…  ao abrigo do olhar terno da Boa Mãe que o acompanhava.  Aí, na quietude do silêncio, lhe pedi sua proteção, sua inspiração, sua ajuda para que hoje sejamos capazes de recriar seu sonho neste momento da história que nos cabe viver.

Ressoaram em mim com força as chamadas do recente Capítulo Geral, inspiração de Deus para viver o carisma e a missão em nossos dias:  ser família global, ser faróis de esperança, ser construtores de pontes, ser rosto e mãos de misericórdia… caminhar com as crianças e jovens marginalizados pela vida, responder com audácia às necessidades emergentes.

Pensei em Marcelino junto aos jovens, em seus olhos atentos e seu coração compassivo.  Recordei o que dissemos no Capítulo: “Cremos na Missão evangelizadora que nos urge a responder ao clamor das crianças e jovens de forma nova e criativa para hoje”.  Sim, como o fez Champagnat.  Sua atenção ao mundo juvenil, no contexto de seu tempo, o levou a desinstalar-se de seu status, de seus privilégios sacerdotais, de suas ideias prévias; a sair de sua casa reitoral primeiro, do povoado de La Valla depois; e a responder com criatividade, abrindo-se a opções inéditas, dando soluções audazes, recriando o sentido de ser religiosos-irmãos.

As gerações jovens de hoje, como as nossas o fizeram em seu momento, trazem novidades e criatividade.  Contam com muitos traços positivos, junto com elementos de fragilidade, como foi nosso caso. São capazes de se conectar facilmente entre si e de criar relações, embora, às vezes, pareceria que temem aprofundá-las e torná-las duradouras; constroem com desenvoltura redes solidárias e são capazes de ações altruístas, tendo que lutar contra tudo aquilo que os leva a centrar-se demasiado em si mesmos, numa sociedade que favorece o egocentrismo e a indiferença; há sinais de sua sede e abertura à experiência interior e espiritual, embora manifestem dificuldade para o tema institucional; a era digital é seu mundo (e o nosso) e lhes abre inumeráveis possibilidades, ao mesmo tempo que os pode ameaçar o risco da despersonalização…  Pergunto-me: Como fazer para pôr-nos mais à sua escuta e caminhar junto com eles, seguindo a Champagnat, que os buscava nas ruas, nas aldeias e caminhos? Como nos converter mais em discípulos e assim aprender ao seu lado, reinventando entre eles a presença amorosa que Marcelino nos propôs?  Como conseguir nos conectar mais com eles, utilizando linguagens adequadas e acessíveis, na linha de nosso Fundador, sua adaptação, sua procura de pedagogias novas, sua abertura a missões inexploradas?

Proximamente se levará a cabo o Sínodo sob o tema: “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”.   Com esse motivo, no passado mês de março, em Roma, o Papa Francisco, se pôs à escuta de um grupo internacional de jovens, os quais expressaram seu sentir e suas inquietudes.  Nesse encontro fomos convidados a marcar presença como congregação (temos a notícia e o acesso ao documento em nosso site).  Vem-me à memoria também aquele dia em que, durante o Capítulo Geral, compartilhamos com um grupo de jovens procedentes dos três países da Província Norandina.  Dois dias antes de estarem conosco, estiveram refletindo juntos e em conexão com jovens maristas de todo o mundo.  Nós os escutamos, eles apresentaram-nos suas inquietudes, nos contagiaram de dinamismo e esperança, nos interpelaram.

Essa experiência de encontro com os jovens, junto com a visita que realizamos aos bairros pobres e marginalizados de Medellín, incluindo alguns centros de atenção a jovens em situações difíceis, marcaram com força a reflexão da assembleia capitular.  Temos expressado que cremos “em nossa presença comprometida, preferencial e coerente entre crianças e jovens nas periferias geográficas e existenciais”, e que “cremos na promoção, proteção e defesa dos direitos das crianças e dos jovens, e em seu empoderamento como agentes de transformação”. 

Hoje contamos no mundo Marista com um grande número de centros educativos, em forma de escolas, universidades ou obras sociais, e animamos com entusiasmo os movimentos juvenis em muitos lugares… Com que meios concretos priorizamos os mais necessitados daqueles que estão em nossos centros? E, mais ainda, emquantos desses centros conseguimos chegar aos jovens das periferias geográficas ou existenciais?  Que novos passos teríamos que dar para chegar a eles? Que estruturas poderíamos fortalecer para a promoção e defesa de seus direitos?

Marcelino soube identificar esses jovens marginalizados, os acolheu, os acompanhou e deu-lhes uma resposta.  Meu desejo e reflexão, ao celebrá-lo neste 6 de junho, é que redescubramos seus olhos atentos e seu coração compassivo.  E, à luz disso, revisemos nosso olhar e nossa atitude de acolhida para a geração jovem, assim como nosso compromisso concreto por aqueles que se encontram nas periferias.

Que a paixão de Champagnat e dos primeiros Irmãos anime nossa entrega próxima, acolhedora e comprometida entre os jovens de hoje.  Muitos Irmãos viveram esta entrega de maneira exemplar. Epermito-me recordar nesta data o Ir. Henri Vergés que deu sua vida pelos jovens argelinos e cuja beatificação celebraremos neste ano. Seu testemunho nos leva a recordar particularmente os que vivem sua missão em países com situações preocupantes como Síria, Sudão do Sul e outras zonas do mundo em conflito… motivo para orar em comunhão com eles ao celebrar nosso Fundador.

Que cada um de nós, Maristas de Champagnat, sejamos capazes, como ele, de olhar com olhos atentos e mostrar um coração compassivo.  Que nossa Boa Mãe nos inspire e acompanhe nesta missão, como fez com eles. Feliz celebração de nosso Fundador!

Ir. Ernesto Sánchez

Superior-Geral

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