Ir. Severino Euzébio Leite - Foto: Ascom/PMBCN

Ir. Severino Euzébio Leite – Foto: Cristiano Giamarco / Ascom

 

“Sinto-me liberto e feliz”, Ir. Severino Leite

A entrevista, deste mês, traz um pouco da história do Ir. Severino Euzébio Leite que, atualmente, é ecônomo da Comunidade Marista de Iguatu, localizada no estado do Ceará. Após uma breve e, emocionada, narração sobre a sua vida familiar, Ir. Severino nos conta, na entrevista abaixo, relatos de como se tornou Irmão, suas experiências nas comunidades Maristas, e como se deu a sua trajetória religiosa.

Com a palavra, Ir. Severino:

“Sou filho de Severino Aureliano Leite e Maria Eusébio de Farias, e nasci no município paraibano de Prata, região do semiárido. Éramos uma família muito pobre, mas, ao mesmo tempo, éramos um “lar”, morei em um lar.

Mamãe era possuidora de uma incrível lucidez, adquirida pela fé em Deus e em Nossa Senhora, o que nos ajudou a vencer na vida. Nunca fomos meninos que viviam ao léu. Mamãe e papai tinham cuidado conosco e havia muita ordem, por isso, digo que tinha um lar, apesar de não termos casa. Morávamos em casa alugada e, penso, papai não podia, sempre, cumprir com as suas obrigações. Quando o dono não suportava mais a dívida, tínhamos que nos mudar. Vivi esta realidade de itinerância obrigatória. Hoje, aqui em Iguatu (CE), quando vejo esta cena, me remonto aos meus dias. É dureza!

Desde cedo, fui educado a ser o homem da casa. Não foi ruim, porque aprendi a assumir responsabilidade com as coisas, sem dengos, mas, por conta disso, não vivi uma infância. Não me sinto à vontade quando alguém, em encontros, faz alguma dinâmica em que a gente volta à “meninice”. Sinto-me um peixe fora d`água. Não gosto. Não quero voltar à infância!

Fomos 13 irmãos, dos quais 5 se criaram. Dentre estes, eu sou o segundo mais velho, tendo uma única irmã, que é mais velha. Meu pai era carpinteiro, não alfabetizado, e faleceu quando eu tinha 7 anos de idade; mamãe era uma mulher do lar. Conhecia um pouco das letras e, com a morte de papai, precisou empregar-se para nos criar, pois, éramos, todos, pequenos.

Ela conseguiu um trabalho de serviços gerais, numa escola do Estado, na minha terra. Nas horas vagas, íamos para o roçado, no afã de ajudar na aquisição da comida. Vivemos dias muito amargos de incerteza e necessidades básicas, mas orgulho-me de dizer que, nem eu, nem nenhum dos meus irmãos sujou as mãos com as “coisas alheias”. Soubemos viver na penúria, esperando a nossa hora, sem cobiça. Todos vencemos, graças a Deus, e andamos de cabeça erguida”.

1) Ir. Severino, conte-nos como o senhor iniciou a trajetória com os Irmãos Maristas: quando e como começou, e como o senhor sentiu o chamado.

A minha história vocacional é esquisita. Vivia na minha cidade, pequenininha, sem acesso à cultura, a não ser somente a escola e os livros didáticos. Às vezes, eu me pergunto como tive coragem de dizer a mamãe que queria ser padre. Eu tinha tudo para não ser nada na vida, pela herança paupérrima e por estar naquele ambiente “raquítico”. Os horizontes tendem a ser nulos ou quase nada. Isso confirma que a vocação é, realmente, um chamado de Deus!

Penso que a voz interior é que falou em mim e eu a verbalizei. Mas a voz não me foi clara. Graças a Deus, por motivos exteriores, fui deixando amadurecer a ideia e me “desviei” do caminho de ser padre. Acredito que, sendo padre, eu não seria feliz ou viveria meio alienado. Com a cabeça que tenho, hoje, não me viria um padre. Talvez o fosse, porque a formação nos põe em uma forma e a gente acaba se amoldando, mas seria sinônimo de castração.

A visita de um Irmão Marista, à minha escola, foi providencial. Foi a luz de que precisava para mudar de caminho. Isto não significa dizer que, entre os Maristas, foi tudo às mil maravilhas. Não! Precisei trabalhar muito e nem sempre fui bem acolhido por alguns colegas.

2) Depois do apostolado, em Maceió (AL), o senhor teve uma experiência em uma entidade filantrópica, denominada comunidade Juvenópolis, que também fica no município alagoano de Maceió. Como se deu este processo? E por que decidiu por esta mudança?

Sair do Marista não significa que eu deixei de ser Irmão. Significa: saí da comunidade do Colégio Marista, onde eu estava, e fui compor outra comunidade Marista, em Juvenópolis, um internato, no bairro do Bebedouro, na periferia de Maceió.

Fui pra lá, atendendo ao pedido do provincial. Aquele era o ano de 1982, e a gente abriu a comunidade com dois membros: Ir. Antônio Aguiar, o superior, bem maduro e experiente, e eu, que tinha 29 anos. Maceió foi a minha primeira experiência de apostolado. Na realidade, eu não gostaria de ter saído do Marista, mas fui convencido a me deslocar para a nova experiência. E foi bom! Cresci e amadureci. Se eu ficasse no Marista, penso, a minha cabeça seria outra. Ali tudo era muito bom. O Colégio estava no auge, muitos alunos, fama, sucesso em todos os empreendimentos.

Era preciso ver o outro lado da cidade e olhar os que estão em outros mundos, sem aquelas seguranças e aqueles privilégios. Esse lado mais pobre é, também, o lado da minha herança, mas a gente chega para as casas religiosas e, em muitas situações, encontra muito comodismo, não quer mais sair dali, e se esquece da sua origem familiar, desvirtuando o chamado.

Ninguém é chamado por Deus para viver na vida cômoda, embora muitos assim o vivam e não aceitem que o superior lhe peça uma mudança. É só meditar os Evangelhos. Jesus esteve, sempre, entre os mais necessitados e disse que o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça (Mt 8, 20). Ele nunca disse que segui-Lo era fácil, mas muitas pessoas chegam à vida religiosa e sacerdotal para escapar de uma realidade duríssima em que vivem os familiares.

3) Após a missão na comunidade de Juvenópolis (AL), o senhor foi nomeado para a comunidade de Iguatu, no Ceará. Como foi viver esta experiência em Iguatu, e se adaptar “àquela realidade de muita pobreza”, como o senhor mencionou na segunda edição do livro Simplesmente Irmãos?

Comecei a experiência em Iguatu (CE), no ano de 1992. Imagine: eu vinha de uma capital e chego para uma missão numa periferia, num bairro recém-nascido, sem nenhuma infraestrutura, um povo mal falado, muita pobreza. Nossa casa (cedida pelo pároco) tinha as dimensões de 6m x 10m. Com a presença de mais Irmãos, foi necessário ampliar os espaços da residência e a casa ficou com a mesma largura, mas com 20m de comprimento, o espaço máximo. Sem forro, muito calor, a água era escassa.

Precisávamos esperar o carro pipa, que trazia água para toda a comunidade local, com discussões e algumas brigas entre os habitantes. A água era suja. Nós a colocávamos numa vasilha, para que a sujeira baixasse. Depois, ela era coada, fervida – porque havia uma epidemia, na época -, e, depois de fria, posta num filtro de barro, com uma medida de cloro, para que a doença não nos atingisse. Isto era a orientação da saúde pública para toda a comunidade.

Não dispúnhamos de TV, jornal, revista, telefone. O orelhão era o que usávamos, algumas vezes. Um lugar muito atrasado. Não era de ignorar que morássemos nessas circunstâncias, porque toda a população morava, igualmente, nas mesmas condições. Logicamente, havia um ou outro mais afortunado, com uma casa maior, mais bem equipada. Optamos por viver assim. Não queríamos ser os que andavam na frente do povo, comprando linha telefônica, por exemplo.

Deixamos que muitos moradores adquirissem a sua linha. Depois, seguimos atrás deles. Íamos assistir o jornal em alguma casa. Foram vários anos desta maneira! Vivemos nessa casa durante nove anos, quando construímos uma boa residência, numa outra rua. Agora, esta, é bem-feita e bem ampla, em condições ideais para qualquer pessoa se sentir bem.

Mas, iniciar a vida naquelas condições, foi essencial para que pudéssemos desfrutar do respeito de todas as pessoas, sem sermos incomodados com roubos e outros infortúnios. Aprendi a viver com o mínimo, como diz São Paulo: “Sei viver na abundância e na penúria” (Fl 4, 12). Só aprende, experimentando. E isto custa muito! Exige coragem e despojamento.

4) Atualmente, o senhor “serve” na comunidade de Iguatu (CE), como ecônomo, certo? Por que quis continuar nesta Comunidade?

Quando a gente está, a algum tempo, num lugar, o Ir. Provincial, então, nos muda. É a itinerância, inerente à vida religiosa. Somos “nômades”, no sentido de que não temos lugar fixo para morar.

Saí de Iguatu em dezembro de 2000. Durante 13 anos trabalhei em diversos lugares e em diversas atividades. Uma delas, foi o economato da comunidade. Em 2013, eu estava em Belo Horizonte. Foi preciso mudar-me. Dentre os lugares que me foram sugeridos, estava Iguatu. Considerando que eu conhecia aquela realidade, que havia um campo pastoral aberto, e eu fizera um trabalho de base, tinha certeza de ser bem acolhido. A isto, some-se que eu gosto, realmente, deste povo. Não pensei duas vezes, e me dispus, imediatamente, a voltar.

Aqui, continuo fazendo o que já fazia antes, com bem mais experiência, corrigindo algumas falhas de ordem pessoal e com outros conhecimentos que eu não tinha antes, que engrandecem e qualificam o meu trabalho pastoral. Voltei mais maduro, muito mais humanizado, bem trabalhado em diversos aspectos humanos, e é gratificante ouvir de pessoas que me conheceram antes: o senhor mudou muito, e para melhor! Como isto me alegra! Graças a Deus, fui e sou bem acolhido e me sinto muito bem. Um ambiente como este é, para mim, o ideal.

5) O senhor começou cedo, como coroinha (aos 8/9 anos), se tornou Irmão Marista, e hoje é ecônomo da comunidade de Iguatu (CE). Como o senhor avalia toda a sua trajetória de vida religiosa?

O fato de ter sido coroinha, quando criança, se deu porque pensei que iria ser padre. Não foi uma má experiência. Uma experiência é, sempre, muito valiosa. Eu nunca pensei em ser ecônomo e nunca pensei que iria exercer algum cargo. Minha desejo era, unicamente, ser Irmão.

Pessoalmente, me via pequeno e “incapaz” de assumir funções. Via outros com mais qualidades; Deus, porém, tem outra visão. Procuro realizar, com responsabilidade, o que me é confiado, para poder merecer a confiança. Merecer a confiança já é uma grande conquista! São 44 anos de vida religiosa! Eu me espanto quando faço as contas e vejo que já caminhei tanto… Parece que foi ontem. Houve dias de sofrimento, mas houve muito mais de crescimento, de ajuda ao próximo, escuta, abraços, sentimentos partilhados, e isto me faz um homem feliz, porque fiz os outros felizes. Para finalizar, ele cita o trecho da música Disparada, do compositor Geraldo Vandré“Aprendi a dizer “não”, ver a morte, sem chorar…”

*com informações do livro Simplesmente Irmãos – A história vocacional de Irmãos Maristas

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1 Comment
  1. ademilton.plira2@gmail.com

    Parabéns Irmão Euzébio, fui seu aluno e hoje lhe agradeço por tudo!

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