Congonhas do Campo (MG), por volta de 1897 (Fonte: Centro de Estudos Maristas/CEM)   Irmãos pioneiros do Brasil – Primeira Comunidade (Fonte: Centro de Estudos Maristas/CEM)

Congonhas do Campo (MG), por volta de 1897 e os Irmãos pioneiros do Brasil – Primeira Comunidade (Fonte: Centro de Estudos Maristas/CEM)

 

No dia 15 de outubro de 1897, um grupo de Irmãos maristas chegam ao Brasil para ampliar a missão de São Marcelino Champagnat, que agora completa 120 anos no país. O contexto político francês, do final do século XIX, não era favorável às congregações religiosas. No começo do século XX, centenas de Irmãos partiriam para diversas partes do mundo ou abandonariam a vida religiosa. Ir. Théophane Durand, superior-geral na época, conduziria a expansão do Instituto para outros países, a fim de possibilitar que o sonho de Champagnat continuasse a crescer.

Eram os últimos seis anos da Casa Geral na França, em Saint-Genis-Laval, ao redor de Lyon. Seis Irmãos missionários, provenientes das antigas Províncias de Lacabane e de Varennes, fariam ali o começo da viagem para o continente americano, em 21 de setembro de 1897. De trem, seguiram para a cidade portuária de Marselha, no sul da França, onde permaneceram até o dia 25, quando embarcaram, rumo ao Brasil, no vapor Provence. Irmãos Andrônico, Anastácio, Afonso Estevão, Basílio, Aloísio e João Alexandre, após consagrarem-se a Nossa Senhora da Guarda, deixaram a pátria para realizar um novo começo em terras distantes. “Ao soar da sirene, abraçamo-nos, enquanto a emoção, naturalmente, nos umedece os olhos”, escreveu o cronista Ir. Afonso Estevão.

Na noite de 14 de outubro, Ir. Afonso Estevão detalha o primeiro sinal do fim da travessia do Atlântico: o farol do Arraial do Cabo, no estado do Rio de Janeiro. No dia seguinte, o vapor fez parada obrigatória em Ilha Grande, para inspeções sanitárias. Os Irmãos desembarcaram no porto do Rio de Janeiro (RJ) somente na tarde de 15 de outubro de 1897. A vinda dos Irmãos foi resposta ao convite de Dom Silvério Gomes Pimenta, bispo de Mariana (MG), para assumirem uma obra educativa na diocese. Foram, então, recepcionados pelo Padre Cândido Veloso, enviado pelo bispo, e seguiram para o convento da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos, no antigo Morro do Castelo, também Rio de Janeiro.

Após descansarem, os Irmãos, guiados pelo Pe. Veloso, tomaram o trem em direção à Congonhas do Campo (MG), cidade que os aguardava para conduzirem o colégio. Em Barra do Piraí (RJ) trocam de trem e seguem em direção à estação Soledade, nas cercanias de Congonhas do Campo, a qual chegaram no começo da noite. No pequeno vilarejo da estação, os Irmãos passaram a noite e se prepararam para a cavalgada de algumas horas até o destino final.

Chegada a Congonhas

Estudantes do Colégio Bom Jesus, de Congonhas do Campo - MG (Fonte: Centro de Estudos Maristas/CEM)

Estudantes do Colégio Bom Jesus, de Congonhas do Campo – MG (Fonte: Centro de Estudos Maristas/CEM)

 

Era 18 de outubro de 1897. A pequena cidade de Congonhas do Campo, no sul do estado de Minas Gerais, aguardava ansiosa a chegada dos seis Irmãos maristas franceses que se tornariam responsáveis pelo colégio local. O cronista, Ir. Afonso Estevão, descreveu a chegada como o Domingo de Ramos, dia em que se celebra a chegada de Jesus Cristo em Jerusalém, recebido pela multidão eufórica. “Passamos por baixo de numerosos arcos de triunfo feitos de bambus. Molhados de suor, cheios de emoção, chegamos ao pé da igreja do Bom Jesus. Logo que aparecemos, a banda municipal toca o trecho mais bonito do seu repertório. Tudo vem acompanhado por incessantes vivas, gritos, detonações, em agitação espantosa. O Pe. Champagnat, com certeza, não previu coisa semelhante”.

A ambientação em Congonhas do Campo se seguiu com o estudo da língua portuguesa e a ansiedade em conhecer o bispo Dom Silvério Gomes Pimenta, que os convidou para assumir a missão naquela diocese. Possivelmente, entre o final de outubro e começo de novembro, os Irmãos se dirigiram para Mariana (MG) e apresentarem-se à autoridade diocesana. “O santo bispo nos recebe como filhos, cuja presença fosse ardentemente desejada. Todos ficamos comovidos. (…) O bispo tem aquela bondade e simplicidade típica dos santos. A alegria de nos ver transpira-lhe no rosto e em toda a palavra. Já fazia três anos que estava trabalhando para nos ter”, escreveu o cronista.

Ao retornarem para Congonhas do Campo, os Irmãos intensificaram o estudo do português e a preparação para as aulas. No dia 1º de dezembro, do mesmo ano, ocorre a transmissão de poderes da instituição. “Eis-me professor de matemática, sem saber o nome das quatro operações em português. (…) Teria desejado dizer-lhes alguma coisa, uma palavra, nada me acudia à mente. (…) Na verdade, em situações como a nossa, os primeiros dias são terríveis. Os nossos sobrinhos-netos, ao encontrarem o ninho confortável, nem imaginarão o que custou aos pioneiros que o prepararam”, escreveu, na época, o Ir. Afonso Estevão.

O trabalho de desenvolver em terras brasileiras a obra marista prosseguiu pelos meses, com percalços e alegrias. Um ano depois da chegada dos primeiros Irmãos, o assistente-geral do Instituto Marista à época, Irmão Norberto, chega ao Brasil no dia 22 de novembro de 1898. Ele veio acompanhado de outros cinco Irmãos, que ficariam no país. “Num instante estou nos braços do Irmão Assistente. A emoção me abafa, choro em silêncio, em momento inefável. Abraçamo-nos todos”, anotou o Irmão cronista. Ir. Norberto deslocou-se para o continente após receber relato, não favorável, das condições dos Irmãos por padres da Ordem Premonstratense, de passagem na França, que também estavam instalados em Congonhas do Campo.

A vinda do assistente-geral proporcionou o contato com outros prelados, que também haviam solicitado a presença dos Irmãos. Em São Paulo, chamados pelo então bispo Joaquim Arcoverde – posteriormente o primeiro cardeal da América Latina, e, em Uberaba (MG), por Dom Eduardo Duarte e Silva, então bispo de Goiás e, posteriormente, primeiro da diocese de Uberaba (MG). Ainda em 1898, foi aberto o Ginásio Nossa Senhora do Carmo, em São Paulo (SP), e, em 1903, a fundação do Colégio Marista Diocesano, de Uberaba (MG). Estas e outras obras originaram a Província Marista do Brasil Central, em 1908.

A situação política na França permanecia incerta para as congregações religiosas, o que acelerava a diáspora de Irmãos pelo mundo. Em 23 de julho de 1900, três Irmãos da antiga Província de Beaucamps desembarcaram em Porto Alegre (RS) e se dirigiram para o interior do estado, em Bom Princípio. Era o início da Província Marista do Brasil Meridional, fundada em 1908. Em 1903, no dia 12 de abril, oriundos da antiga Província de Aubenas, chegaram a Belém (PA), outros quatro Irmãos, que assumiram o então Colégio do Carmo. Eles se espalharam pelo Norte e Nordeste e fundaram, também em 1908, a Província Marista do Brasil Setentrional.

Devido a expulsão dos religiosos da França, em 1903, a Casa Geral foi transferida para Grugliasco, no norte da Itália. Um ano antes, o Instituto Marista já contava com 1655 Irmãos fora da França. No Brasil, somaram-se aos pioneiros outros 139 Irmãos.

Dos seis primeiros Irmãos no Brasil, Ir. João Alexandre deixou a vida religiosa em 1910 e seguiu caminho como civil. Ir. Andrônico faleceu aos 47 anos, em 1903, vítima de febre amarela. Ir. Basílio faleceu em 1905, aos 26 anos, de causas relacionadas ao que chamavam, na época, de hidropisia. Ir. Afonso Estevão faleceu em 1937, aos 58 anos. Em 1943, com 71 anos, faleceu o Ir. Luis Anastácio e, em 1959, com 80 anos, o Ir. Aloísio.

Impressões do Ir. Roque Plínio Loss

Ir. Roque Plínio Loss - Comunidade Marista da Betania - Belo Horizonte (MG)

Ir. Roque Plínio Loss – Comunidade Marista da Betânia – Belo Horizonte (MG)

Irmão Aloísio, um dos pioneiros, foi meu professor em Mendes (RJ). Além de ter sido um dos primeiros professores do colégio de Congonhas do Campo (MG), formou diversas gerações de Irmãos. Eu e outros mais fomos também educados por ele, além de vários padres, personalidades e alguns bispos. Ir. Aloísio era um típico francês, de feições grandes, de porte robusto, com cerca de 1,75m. Era um homem muito bondoso e calmo.

Quando os Irmãos saíram de Congonhas do Campo, em 1904, deixaram saudade em muitos estudantes que se afeiçoaram a eles. Lembro-me que muitos padres e ex-alunos escreviam cartas a ele. Entre seus ilustres alunos estavam Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Cardeal Motta, arcebispo de Aparecida (SP) e de São Paulo (SP), e Dom Rodolfo das Mercês de Oliveira Pena, bispo das dioceses de Barra (BA) e de Valença (RJ), sucessivamente.

Ir. Aloísio era muito religioso e espiritualizado. Falava português perfeitamente, como um nativo. Nos recreios, gostava de contar histórias como, por exemplo, das estripulias dos estudantes internos, dos quais era responsável. Certa vez nos contou que subiam as escadas de Mendes (RJ) e o corrimão era um cano metálico. Um estudante, na extremidade oposta da escada, solta um grito por dentro do cano, assustando a todos. O Irmão, pacientemente, colocou tinta na borda do cano para, assim, revelar o culpado. Sem muita dificuldade, levou um espelho ao rosto do estudante que não tinha como mentir sobre a brincadeira.

A chegada deles ao Brasil e a sequência de eventos não foram apenas de alegrias. Compreender a cultura brasileira e dela fazer parte foi muito difícil, bem como o aprendizado da língua portuguesa. O calor constante, muito diferente da França, também causava estranheza. Depois, a febre amarela, que vitimou dois Irmãos logo no começo. Também havia a questão financeira, manter uma escola, já naquela época, era algo complexo. Na falta de boas escolas, os internatos tornaram-se uma boa forma de financiar a instituição. Em seguida, a delicada situação política do Brasil, que iniciava o período republicano, ainda havendo a polaridade com monarquistas. Por fim, as pessoas que combatiam a religião e os religiosos, também aqui, lançando descrença e difamação sobre eles.

Às difamações que sofreram, bons intelectuais da época partiram em defesa deles. Como o Cardeal Arcoverde, do Rio de Janeiro, e Carlos de Laet, professor, jornalista e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Inclusive, Carlos de Laet quem realizou o discurso de recepção de Dom Silvério Gomes Pimenta como membro da Academia Brasileira de Letras, na cadeira número 19, o primeiro bispo a ocupar tal cargo.
Aos poucos, as obras foram se multiplicando, principalmente no estado de São Paulo. A sociedade brasileira reconheceu a educação marista e havia chamados de todos os lugares para que os Irmãos assumissem colégios para bem educar as crianças. Os primeiros Irmãos, além de pioneiros, foram audaciosos. Revolucionaram, de certa forma, a educação por onde passavam e faziam presença.

Vendo o passado e pensando o futuro, o antevejo com entusiasmo. A sociedade está passando por mudanças rápidas. Estamos saindo de uma época para ingressar em outra. De certa maneira, as rupturas abalam toda a sociedade. Trabalhar com educação hoje exige ainda mais preparo pedagógico e disciplinar, pois as famílias são ainda mais exigentes e os estudantes cada dia mais conectados. Vejo, no presente, o problema gerado pela influência da perda de valores, como a violência e a corrupção que assolam nosso país. É um problema da sociedade, da nossa instituição e da Igreja. Porém, vejo com bons olhos que estamos entrando em uma fase que a humanidade vai amadurecer. Isso tudo é como um pêndulo da história, que ora está de um lado ora de outro. Quando uma crise se instala, as pessoas começam a refletir sobre o que é melhor para nossa sociedade e aí é que está o amadurecimento.

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