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Prestes a completar 80 anos, o Ir. Claudino Falquetto concede entrevista sobre a trajetória como religioso e gestor na Província Marista Brasil Centro-Norte. O Irmão hoje está em missão na cidade de Patos de Minas/MG.

1. Qual a diferença de ser um Irmão nos anos 1950, quando o senhor ingressou no noviciado, e ser Irmão Marista hoje?

Quando pensamos 1950, estamos falando de antes do Concílio Vaticano II, quando a vida religiosa fazia parte do conceito de cristandade. Dentro da Igreja, a vida religiosa era muito forte, muito visível – fisicamente – e, também, tinha influência na sociedade. Depois, com o aggiornamento, tudo mudou. Primeiro, desapareceu a visibilidade, com a supressão dos hábitos na maioria das congregações. Segundo, as mudanças na formação e na missão. Vale ressaltar que a maioria dos religiosos vieram ao Brasil a pedido de bispos para atender a necessidades pastorais, sobretudo nas áreas de educação e saúde. Praticamente, em certo momento, essas duas áreas estavam nas mãos dos religiosos. A missão da Igreja se fazia por meio da vida religiosa. Após o Concílio, o maior desafio foi o próprio conceito da presença do religioso e da religiosa no contexto da Igreja, que se alterou quando o Concílio Vaticano II reconhece o valor dos leigos: todo indivíduo é chamado igualmente à santidade. Então, o conceito pré-Conciliar de que a vida religiosa é um estado de perfeição desaparece. Os papas que vieram após o Concílio priorizaram a vocação à santidade de todos, e todos são os leigos. Os religiosos são a minoria da Igreja. Com isso tudo, a vida religiosa não possui mais o atrativo de resposta aos desafios da missão da Igreja como era anteriormente. Esse é o ponto fundamental, a mudança de paradigma. Depois, acho que a vida religiosa queria, ou deveria, tomar uma postura mais consciente e coerente. A prova disso é que depois do Concílio, quando foram realizadas as adequações das constituições e das regras ao Vaticano II, muitos deixaram a vida religiosa. Então as casas de formação deixam de ser numerosas como eram anteriormente. Antes, ser religioso era quase um status, hoje, é uma opção de vida.

2. As congregações conseguiram reencontrar o caminho?

Todo o problema da vida religiosa hoje é de testemunho. A vida religiosa não está voltada ao ministério, ela está no testemunho e é nele que deveria estar o foco. E isso é muito difícil. Esses dias vi um artigo de um encontro do Papa com os superiores das congregações religiosas e ele criticou o “restauracionismo”, as congregações que querem voltar ao moldes pré-Concílio. Elas estão cheias de vocações. Mas o que significa isso?, pergunta o Papa. É esse o caminho? Ou seria estar entre os pobres a missão da Igreja?

3. Na história das três antigas províncias que deram origem à Província Brasil Centro-Norte, dois Irmãos se destacaram com longos períodos de provincialato: Ir. Conon, da Brasil Norte (18 anos) e o Ir. Exuperâncio, da Brasil Central (20 anos). Depois deles, o senhor foi o que esteve por mais tempo à frente de distintos governos provinciais, por 18 anos. Em retrospecto, como o senhor avalia sua caminhada à frente das Províncias e animando a vida dos Irmãos?

Cada vez que havia uma eleição, eu recebia uma carta do Superior Geral com o dizer de que era a vontade de Deus. Se Deus me pedia, nele confiava e fazia o que era possível. Se tivesse que recomeçar, me colocaria na mesma postura: que Deus conduza. Lendo a vida do Pe. Champagnat, sabemos que esta obra não é nossa, é de Deus e de Nossa Senhora. E ele acreditava nisso e confiava que fosse assim. A pergunta que fica hoje é: o que Deus de fato quer de nós hoje? Certamente, não é tudo que está aí. O desafio é esse, qual a missão da vida religiosa, da vida marista, da PMBCN neste momento da história, que é de mudança. Não basta dizer que estamos dispostos, precisamos fazer. Eu tentei ser coerente com aquilo que acreditava. O importante era ajudar os Irmãos a serem felizes, no trabalho, na fraternidade e na comunhão.

4. O senhor foi Conselheiro Geral entre 1993 e 2001. Como foi a experiência de serviço ao Instituto e o contato com outras unidades administrativas do mundo marista?

Aí vejo como o dedo de Deus vai nos levando. Eu considero a minha vida em décadas: aos 11 anos, entrei no Instituto. Com 19 anos, estava fazendo os primeiros votos e o noviciado. Aos 29 era diretor em Poços de Caldas/MG, aos 39 já era provincial. Ao 49, estava na CRB (Conselho do Religiosos do Brasil) e aos 59 no Conselho Geral. O ângulo de percepção foi aumentando, se ampliando. O trabalho de Conselheiro é exigente e muito bonito, de dar coragem àquilo que está sendo feito nas províncias, com algum acerto de rota aqui ou ali, mas em geral, é um trabalho de animação e apoio.

5. “Assim nascem as grandes obras: medram, vicejam, crescem e permanecem, porque alimentadas por grandes ideais, porque sustentadas por grandes personalidades”. O senhor disse isso na abertura do 1º Congresso Nacional Marista de Educação, nos anos 1990. É assim, também, para a vida consagrada? O testemunho de vida daqueles que vieram antes é essencial para os que chegam? Como construir um legado?

Passa pelo testemunho. Você citou antes o Ir. Exuperâncio. Eu o conheci quando adolescente. Ele andava no meio dos jovens. Era um homem íntegro, eu o olhava e pensava: puxa, se eu pudesse ser como ele! É um homem que deixou um legado de coerência, de opção de vida feliz. A gente tinha tempo para construir isso, muito contato com os Irmãos. Eu sempre digo aos mais jovens que o Irmão idoso que hoje tem 80 anos, não teve 80 anos a vida toda não. Atrás dele tem toda uma vida, uma construção de ideal. Ele está feliz porque viveu coerentemente a existência. Como se constrói legado? Acho que o Pe. Champagnat diria o seguinte: com humildade, simplicidade e modéstia. Viva isso! Dê o máximo, como se tudo dependesse de você, e acredite, no seu interior, que não é você quem está fazendo. A opção de vida de um religioso deve ser essa: se entregar a um serviço, uma missão, sabendo que aquilo que está fazendo não é para você e não é seu, é Dele.

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